domingo, 9 de janeiro de 2011

Caiu de Maduro

Chega de ser o mordomo da vovó, meu bem.
Não há uma alma sequer que sinta o mínimo de atração por alguém que empresta o carro dos pais no fim de semana e tem os bancos de trás isolados "por medo de estragar algo". Ninguém, veja bem: nin-guém quer um sujeito que possui como único mérito ser o neto mais novo, graduado em manias do lar-doce-lar e perito em promoções nos supermercados.
Contente-se com o fato de que as pessoas não acreditam mais na sua "personalidade antiquada", e suas fugas em astros, signos, zodíaco e movimentação solar para justificar sua pequenez o afundam cada vez mais: quem acredita na defesa dos fracassados?
Não quero parecer perfeito e nem exemplar (Deus me livre!), deixo isso aos que realmente fazem questão de falsear limpeza e dignidade, mas carrego em mim (talvez erroneamente, de fato) a ânsia da aceitação pessoal. Aceite-se, criança (sinta, por favor, a acidez)!
O que você acha? Que santificam os tios que emprestam jogos raros aos sobrinhos (que possuem idade mental semelhante à sua)? Acha, realmente acha, que as pessoas procuram as versões “inteligência emocional para debutantes” em alguém que passou dos trinta?
Em algum momento da sua pobre existência você chegou a pensar que os outros não percebem que o seu texto da “solteirice por opção” e o “mais um ano solteiro me fará bem” já duram dez anos?
Aliás, ninguém aprecia os programinhas à família feliz... Está certo que você já passou do tempo e está “caído”, mas não precisa apelar, amigão. Tente parecer normal, e mostrar o quão positivo pode ser o “projeto de nunca-sairei-de-casa”! Esforce-se arduamente, já que a tarefa é difícil até mesmo no papel.
E chegar às “vias de fato” não é um mérito, é uma condição. Sua futura ex-companhia não precisa saber que você é um solteiro ‘desde sempre’, que suas únicas relações se limitaram a primas e empregadas e seu trauma maior é ter ejaculação precoce!
Saiba: o mundo não cabe no seu monitor, as relações humanas não estão todas em um jogo de vídeo-game e você não encontra nada em chats na madrugada (nada além de pessoas como você, obviamente!).
Mas hoje estou de bem com a vida, então, o animo dizendo que não se sinta tão mal, talvez um psicanalista dos bons, macumba e tarja preta o tornem suficientemente arrumadinho pra poder viver sem mesada! Mas isso em uma visão positiva não é?! Do contrário, sentença de morte seria uma saída (simples... mas eficiente!).

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Manual do Filho da Puta

            E então você decidiu que quer ser do mal – até aí, tudo bem, tudo previsível, mesmo porque quem nunca foi vilão jamais será mocinho, o mundo é um moinho como na canção e, desiludidos por ele, temos sede de vingança. Como parar de fumar e fazer dieta, planos maléficos também são fáceis demais na resolução de ano-novo e no divã do psicanalista. A ação é um pouco mais complicada – mas pense naquele amor que o traiu, na sua mãe que sempre gostou mais do seu irmão mais novo e todos esses problemas que todo mundo tem, mas que, como qualquer anti-herói, você pensa que são exclusividade sua. Agora, relativize as coisas: Olho por olho, dente por dente, quem com ferro fere com ferro será ferido, aqui se faz aqui se paga são, de fato, motes muito mais antigos do que qualquer ladainha humanista.
            Importantíssimo lembrar: Não dirija seu veneno apenas aos seus desafetos declarados, pois todos merecem sofrer. Papel e caneta na mão, anote aí: Ser extremamente sedutor (assistir a filmes de psicopatas para aprender). Fazer o possível para ter uma vida de playboy daqueles de antigamente. Investir na carreira política (com o cuidado de se envolver com as pessoas erradas). Dar em cima da mãe do seu melhor amigo. Transar com a irmã da sua ex-namorada. Não se esqueça dos detalhes: Imprimir quatro vezes seu ingresso de cinema comprado pela internet. Ajudar seu priminho caçula a conseguir drogas. Mentir muito, despudoradamente, mentir com gosto.
            Com o tempo, você vai perceber que se tornou temido e também extremamente desaprovado. Nessa hora, chore copiosamente. Jure que tudo não passa de um mal-entendido. Peça perdão, mande flores – se o ofendido tiver alergia, ainda melhor. Roube, mas roube com classe – assalto à mão armada, nem pensar. Você agora está no topo da cadeia alimentar do crime. Gerindo sua própria máfia. No linguajar dos seus subalternos, fodendo geral (não necessáriamente no sentido literal da expressão)
            Enterre os seus sentimentos. Seja frio e cínico. Não ouse se apaixonar. Não ouse odiar, para não ceder a um ímpeto incalculado. Seja mau, apenas. Difícil? Depois de algumas digressões, é provável que você tenha se esquecido das teorias que o alavancaram para o sucesso. Pois saiba que precisamente os alicerces dos seus requintes de crueldade hão de persegui-lo até o fim dos seus dias (afinal, trazem um senso de justiça, ainda que mal-elaborado). Quiçá com sorte você escape, mas lembre-se: Não basta ser sofisticado. É preciso ser esperto.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Whining

            Tempos atrás, num feriado de setembro, fui visitar uma amiga que recentemente mudou-se para Cascavel. Conhecendo bem a cidade, não tendo nenhum interesse maior em permanecer por lá e dispondo de tempo suficiente, acabamos por decidir que uma visita rápida à Argentina (mais especificamente, a Porto Iguaçu) não era má ideia e, no dia seguinte à minha chegada, cantando Chico Buarque a plenos pulmões, dirigimo-nos à fronteira com a mais nobre das intenções: Comprar.
            Acontece que, como resolvemos a viagem sem muito planejamento, o quarto do nosso hotel era terrível, motivo pelo qual eu desci até a recepção para reclamar da água do chuveiro que não esquentava. Nesta ocasião, um homem de meia-idade que estava na fila – educadíssimo – cedeu-me seu lugar. Encontramos esse mesmo homem no Free Shop horas mais tarde (eu precisava urgentemente de uma garrafa de Drambuie) e, enquanto escolhíamos alguns vinhos, ele veio até nós para recomendar um Malbec premiado. Agradeci a ajuda, mas não levei o vinho – era caro demais e eu não pagaria aquilo por uma bebida que não havia experimentado.
            Um dia e meio depois, saí para jantar sozinha – minha amiga, que tem cento e dois centímetros de quadril, havia se engraçado com um turco. Qual não foi a minha surpresa ao perceber que, na mesa logo ao lado da minha estava o senhor que fora tão gentil comigo por duas vezes em minha curta estada! Ele me cumprimentou e retribuí com um sorriso. Disse-me que o vinho que estava tomando era o mesmo que havia me recomendado, e pediu ao garçom que servisse uma taça “à senhorita”, para que eu o provasse. Senti certo desconforto ao perceber que a esposa do senhor retornava naquele exato instante. A mulher, muito elegante, sorriu para mim e comentou que Mendoza produzia os melhores vinhos dali, e que se eu decidisse comprá-lo, não deveria deixar de levar também o Cabernet Sauvignon. Meu incômodo deu lugar a um quase choque. Como assim, ela não me perfurara com o olhar? Como assim, ela não viera em minha direção e derramara o conteúdo da taça em meu vestido?
            Talvez eu estivesse valorizando demais os meus encantos. Mas não era isso: Eu sabia que o senhor não estava interessado em mim. Por que então imaginei que a sua mulher reagiria de outra forma? A resposta é óbvia, e um tanto inconveniente: Acostumei-me tanto ao senso-comum que ele havia-se impregnado em mim, surgindo com despropósitos como aquele quando eu menos esperava. Céus, como pude tornar-me tão classe média, no pior sentido da palavra? Afinal, o espetáculo da vida não se resume a oscilar entre a felicidade do comercial de margarina e o drama da novela das oito. Ao menos não para os esclarecidos.
            Sem mais devaneios: Acabei comprando o tal vinho, que era uma delícia. Porém o passeio não me rendeu somente algumas aquisições etílicas. Percebi, muito contrariada, que por vezes bradamos contra a sociedade sem notar que a mudança efetiva de mentalidade – mesmo a nossa – só acontece quando estamos atentos, comprometidos com nossas convicções até nos momentos mais banais. Do contrário, jamais estaremos acima das convenções e jamais seremos livres – no máximo, mal-acorrentados.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

O Rancor e outras virtudes

           Pautar-se pelo Bem. Esse é o princípio moral básico que abrange um grande contingente humano, e daí talvez o equivocado pensamento de que reside, nessa lei tão inespecífica, o segredo da conciliação. São belas as teorias, mas uma fração de segundo de análise nos mostra que, pela defesa de bandeiras absolutamente divergentes (e que se encontram, todas, apesar da contradição, contidas na mesma justificativa de Bem) a disputa não visa nada a não ser a imposição de conceitos geralmente orientados pela fé cega e outras imbecilidades.
            Não importam as palavras do pastor ou as dos filósofos, as grandes realizações são essencialmente movidas pelas paixões, ainda que discutidas, questionadas e reparadas, enfim, pelo intelecto. Evolução é movimento e também ruptura. Vamos aplicar minha pobre conjectura ao plano privado: Se um amigo comete uma traição imperdoável, que se faz? Não é recomendável furar-lhe os olhos com uma faca de cozinha, ainda que tal vontade seja imensa. Mais prudente é acautelar-se em relação às pessoas, como, aliás, mamãe já orientava, e fortalecer-se emocionalmente de forma a tornar-se menos vulnerável. Até aí, todas as atitudes prudentes podem ser resumidas aos preceitos de racionalização, mas conte-me, prezado leitor, de onde provém a pulsão pelas mudanças, pelas melhoras? Dos sentimentos, é claro. E, nesse caso, dos sentimentos considerados mais abjetos: o rancor e o egoísmo (afinal, quem garante que a traição seja traição aos olhos do traidor?). A discussão vai ainda mais longe: Se o indivíduo citado tivesse a sua vida inteiramente norteada pela moral, em especial a cristã, talvez escolhesse o Perdão como a melhor forma de reação. E qual o problema nisso? Nenhum problema. Tornar-se-ia um grande palhaço (apenas isso) suscetível a todo o ardil que o cerca.
            O problema não reside na ideia de Bem, mas em seu conceito, por ser, senão inaplicável, altamente incompatível com o mundo real. Da mesma forma, a ira, a inveja e a paixão romântica exacerbada não são desprezíveis em si, mas sim nos moldes em que são externalizadas. Portanto, antes de ajoelhar-se para pedir perdão por maus pensamentos, colha o ensejo para potencializá-los com o objetivo de garantir que eles lhe sirvam como estímulo e liberte-se dos seus traumas bíblicos – preconceito também é pecado.  

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Projeto Vértebra - Uma série de colunas

Não viemos para lhe contar onde lhe doem os ossos – supomos, ilustre (?) leitor, que você já o sabe. Não viemos para sustentar corpos sem espírito, para fazer a dignidade de qualquer bípede (antes pô-la em xeque). Viemos pelos pontos finais que em conjunto se tornam reticências, não de dúvida, mas de continuidade. Viemos pelas contradições que levam a conclusões. Procuraremos evitar os exageros românticos (para tais distrações aprazíveis, visitem os seguintes endereços: www.moezbert.blogspot.com / www.strongconviction.blogspot.com). Tampouco temos a finalidade de endireitar essa espinha tão torta que é a humanidade (a primeira bandeira que levantamos é a do combate ao autoengano). E não pretendemos seguir com regularidade a pernosticidade de nossa introdução (a empáfia não é exatamente causadora de empatia, embora se faça necessária num primeiro momento). A falta de esforço para obter a simpatia inicial significa apenas que sabemos bem qual não é o nosso objetivo (embora seja uma conseqüência bem-vinda): Agradar. Isso declarado, podemos começar nossa descompromissada tarefa de protesto.

Lucia M. Ghaendt-Möezbert e Francisco Mallmann